sábado, 6 de dezembro de 2008

O difícil acesso à saúde

Editorial do Jornal do Commercio (Recife) deste sábado.

As cenas do absurdo podem ser testemunhadas a qualquer hora do dia ou na noite, rigorosamente 24 horas, em qualquer hospital de emergência do Recife, principalmente no Hospital da Restauração: ambulâncias chegam e saem para municípios de todo o Estado. Nas estradas elas têm espaço obrigatório pelas rodovias que desembocam na capital, trazendo quase sempre pacientes em estado gravíssimo. Diz-se quase sempre porque muitas vezes se trata de um mal menor que não encontra atendimento em hospitais municipais ou regionais. Isso faz com que um dos servidores mais importantes das unidades de saúde do interior seja o motorista da ambulância, o salvador de vidas.Essas cenas do absurdo se reproduzem em todo País, como foi mostrado em reportagem nacional deste jornal em 30 de novembro, com interpretações de alcance comum, outras mais técnicas, inclusive apontando soluções, como a do sanitarista da Fiocruz em Pernambuco Rômulo Maciel Filho, um dos autores do livro Rumo ao interior: médicos, saúde da família e mercado de trabalho. Em todas as avaliações com maior rigor técnico, porém, estão problemas comuns, que podem ser simplificados na inexistência de programas obrigatórios de interiorização de médicos recém-formados em escolas públicas, na natureza complexa da atividade com baixa remuneração e até, com base no senso comum, na ausência de qualidade de vida para profissionais sobreviverem nos rincões onde faltam condições de lazer, que permitam atualização de conhecimentos ou - quando com famílias formadas - melhor educação para os filhos.

A partir dessas dificuldades é que se formam as cenas do absurdo, responsáveis, muitas vezes, pela fatalidade de ferimentos agravados com a demora no atendimento, porque com freqüência as ambulâncias percorrem centenas de quilômetros. Mais: pelas fragilidades do serviço público, reproduzem-se nas unidades de saúde do interior as mais graves deficiências, como a ausência de especialistas, exigindo novamente a ação pronta dos salvadores, os motoristas de ambulâncias. O problema consiste em como dar aos profissionais da medicina condições para se internarem nos rincões, mesmo com as avançadas condições de comunicação dos nossos dias. Um exemplo dessas dificuldades pode ser tirado no cotejo com outra profissão, a da magistratura. O magistrado, quando assume uma comarca, por mais distante que seja, está obrigado a prestar atendimento jurisdicional, mas conta com enormes vantagens: não está premido pelo tempo - uma sentença pode levar anos - e tem remuneração que está entre as melhores de todo o País.

Por isso o presidente do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, André Longo, acredita que a solução para o atendimento em áreas distantes da capital é um sistema de carreira semelhante ao do Poder Judiciário: o profissional começaria no interior, com residência médica, e passo a passo chegaria à capital, a "terceira entrância" da medicina, como resultado de um extenso caminho e com a substituição automática pelos mais novos, saídos das faculdades. Tem sentido e seria, com certeza, um processo com bons resultados para todos. O problema consiste na dificuldade de se criar carreira semelhante à magistratura, com a mesma remuneração. O sanitarista Rômulo Maciel Filho vai além: para ele, seria interessante definir uma carreira nacional, a partir do município, impossibilitando que um funcionário amanhã peça transferência do seu local de trabalho.

Mas diante de tão evidentes possibilidades de solução contra as cenas de ambulâncias chegando e saindo dos hospitais de emergência da capital, o profissional da saúde questiona: Tudo muito bem mas, e a remuneração? Enquanto não chega uma resposta apropriada para tão pertinente questão, o certo é que os mais carentes não podem ficar à espera enquanto seus males se agravam. Cabe recorrer ao mais elementar exercício da cidadania: exigir dos governantes, antes de eleitos, que se comprometam a resolver o problema ou, então, devolver o mandato. Uma regra que poderia constar, saudavelmente, na reforma política que está sendo apregoada há muito tempo.

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