quarta-feira, 8 de abril de 2009

STJ - Sexta Turma tranca ação sobre erro médico em Minas Gerais

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu trancar a ação contra um médico acusado de erro médico em Uberlândia, Minas Gerais. O órgão julgador seguiu por unanimidade o voto da relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura. O voto alterou o julgado anterior do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1) que negou o pedido de habeas corpus do acusado.

Em setembro de 2004, o paciente A.O. deu entrada no Hospital do Triângulo, em Uberlândia, com edema na região genital, dores no ventre e dificuldade de urinar. O doente tinha quase 90 anos e era portador de câncer na próstata e doença cardíaca. Foi introduzida uma sonda uretral, mas houve complicações e o início de dificuldades respiratórias e cardíacas. Com o agravamento do seu estado, ele foi transferido para a UTI do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia. Lá a equipe de médicos plantonistas decidiu realizar um cateterismo de urgência.
Antes de realizar o procedimento, entretanto, a equipe consultou o responsável pelo serviço de hemodinâmica do hospital e também médico de A.O., o réu da presente ação. Por telefone, o réu recebeu as informações sobre os sintomas do doente e, mesmo sem o ver pessoalmente, desaconselhou o cateterismo. Ele afirmou que o estado de A.O. era crítico e que ele provavelmente não sobreviveria ao procedimento. Dois dias depois, o doente faleceu.
O réu e a equipe médica foram acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de homicídio doloso, com o agravante da idade da vítima (artigo 121, 29 e 13, parágrafo 2º e 4º do Código Penal). O Conselho Regional de Medicina (CRM) e a Comissão de Ética do Hospital das Clínicas instauraram sindicância após receberem denúncias de negligência e imperícia. Na acusação do MPF, foi declarado que o réu teria dito que o equipamento para o cateterismo não estaria funcionando, mas, no dia seguinte à morte de A.O., teriam sido realizados diversos exames com o mesmo equipamento. Quando o recurso chegou ao TRF 1, foram retiradas as acusações contra a equipe médica, mas mantidas contra o réu. Recorreu-se, então, ao STJ.
Alegou-se que a morte do doente não foi causada por infarto e que o cateterismo não solucionaria os diversos problemas dele, sendo um procedimento de alto risco no estado em que se encontrava. Também apontou que a conduta do médico foi ratificada pelo CRM e pela Comissão de Ética. Pediu o trancamento da ação por falta de justa causa e, alternativamente, a retirada do dolo (intenção de cometer o delito) da acusação de homicídio.
No voto, a ministra Maria Thereza de Assis Moura apontou que, apesar de o médico não estar na UTI, as práticas médicas brasileiras e mundiais admitiriam a chamada “telemedicina”, com a transmissão de informações por meios tecnológicos. A ministra salientou que isso estaria, inclusive, no parecer do CRM. Também no parecer do Conselho, foi citado o artigo 20 do Código de Ética Médica, que isenta o profissional de saúde de realizar procedimentos que julgue potencialmente nocivos ao seu cliente. Segundo magistrada, o réu já seria médico de A.O., portanto teria amplo conhecimento do seu estado de saúde.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura comentou ainda que a própria filha do doente, também médica, considerou que o réu e a equipe do hospital teriam feito o possível por seu pai. Ela apontou que não haveria base jurídica sequer para a acusação de negligência, quanto mais para a de homicídio doloso. Com essas considerações, a ministra concedeu o habeas corpus para trancar a ação.
(Coordenadoria de Editoria e Imprensa )

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Comissão da Câmara aprova punição para receita e prontuário médico ilegíveis

A Comissão de Defesa do Consumidor aprovou o Projeto de Lei nº 3310/08, do deputado Cezar Silvestri (PPS-PR), que considera infração sanitária o preenchimento de receitas e prontuários médicos de forma ilegível ou que possa induzir a erro.
A proposta modifica a Lei nº 6.437/77, que trata das infrações e penalidades na área sanitária.O relator do projeto na comissão, deputado Dr. Nechar (PV-SP), concorda com o autor da proposta quanto ao fato de que "a letra ilegível pode causar risco à saúde, quando, ao não conseguir entender o que o médico pede, o farmacêutico vende medicamentos que não eram os prescritos".
Além disso, de acordo com o relator, os prontuários mal preenchidos realmente impossibilitam investigações nos casos de erros e de omissões cometidos por profissionais de saúde e dificultam a seqüência no tratamento por outro médico. Nechar lembra que o Código de Defesa do Consumidor já regulamenta a obrigatoriedade de proteção do consumidor sobre eventuais riscos que produtos ou serviços possam oferecer e sobre a obrigatoriedade de serem prestadas informações adequadas e claras sobre produtos e serviços a ele destinados. "Somos favoráveis à proposta, pela necessidade de uma proteção mais específica dos usuários dos serviços de saúde", disse.
Pela proposta, deverão ser legíveis a prescrição de medicamentos ou de terapias, o preenchimento de prontuários hospitalares ou ambulatoriais, além de outros documentos destinados a dar informações sobre pacientes. O estabelecimento que não cumprir a norma estará sujeito às seguintes penas: advertência, interdição total ou parcial, cancelamento da licença para funcionamento e multa.O projeto ainda será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Com informações da Agência Câmara).
(Fonte: Site Espaço Vital)

sábado, 6 de dezembro de 2008

O difícil acesso à saúde

Editorial do Jornal do Commercio (Recife) deste sábado.

As cenas do absurdo podem ser testemunhadas a qualquer hora do dia ou na noite, rigorosamente 24 horas, em qualquer hospital de emergência do Recife, principalmente no Hospital da Restauração: ambulâncias chegam e saem para municípios de todo o Estado. Nas estradas elas têm espaço obrigatório pelas rodovias que desembocam na capital, trazendo quase sempre pacientes em estado gravíssimo. Diz-se quase sempre porque muitas vezes se trata de um mal menor que não encontra atendimento em hospitais municipais ou regionais. Isso faz com que um dos servidores mais importantes das unidades de saúde do interior seja o motorista da ambulância, o salvador de vidas.Essas cenas do absurdo se reproduzem em todo País, como foi mostrado em reportagem nacional deste jornal em 30 de novembro, com interpretações de alcance comum, outras mais técnicas, inclusive apontando soluções, como a do sanitarista da Fiocruz em Pernambuco Rômulo Maciel Filho, um dos autores do livro Rumo ao interior: médicos, saúde da família e mercado de trabalho. Em todas as avaliações com maior rigor técnico, porém, estão problemas comuns, que podem ser simplificados na inexistência de programas obrigatórios de interiorização de médicos recém-formados em escolas públicas, na natureza complexa da atividade com baixa remuneração e até, com base no senso comum, na ausência de qualidade de vida para profissionais sobreviverem nos rincões onde faltam condições de lazer, que permitam atualização de conhecimentos ou - quando com famílias formadas - melhor educação para os filhos.

A partir dessas dificuldades é que se formam as cenas do absurdo, responsáveis, muitas vezes, pela fatalidade de ferimentos agravados com a demora no atendimento, porque com freqüência as ambulâncias percorrem centenas de quilômetros. Mais: pelas fragilidades do serviço público, reproduzem-se nas unidades de saúde do interior as mais graves deficiências, como a ausência de especialistas, exigindo novamente a ação pronta dos salvadores, os motoristas de ambulâncias. O problema consiste em como dar aos profissionais da medicina condições para se internarem nos rincões, mesmo com as avançadas condições de comunicação dos nossos dias. Um exemplo dessas dificuldades pode ser tirado no cotejo com outra profissão, a da magistratura. O magistrado, quando assume uma comarca, por mais distante que seja, está obrigado a prestar atendimento jurisdicional, mas conta com enormes vantagens: não está premido pelo tempo - uma sentença pode levar anos - e tem remuneração que está entre as melhores de todo o País.

Por isso o presidente do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, André Longo, acredita que a solução para o atendimento em áreas distantes da capital é um sistema de carreira semelhante ao do Poder Judiciário: o profissional começaria no interior, com residência médica, e passo a passo chegaria à capital, a "terceira entrância" da medicina, como resultado de um extenso caminho e com a substituição automática pelos mais novos, saídos das faculdades. Tem sentido e seria, com certeza, um processo com bons resultados para todos. O problema consiste na dificuldade de se criar carreira semelhante à magistratura, com a mesma remuneração. O sanitarista Rômulo Maciel Filho vai além: para ele, seria interessante definir uma carreira nacional, a partir do município, impossibilitando que um funcionário amanhã peça transferência do seu local de trabalho.

Mas diante de tão evidentes possibilidades de solução contra as cenas de ambulâncias chegando e saindo dos hospitais de emergência da capital, o profissional da saúde questiona: Tudo muito bem mas, e a remuneração? Enquanto não chega uma resposta apropriada para tão pertinente questão, o certo é que os mais carentes não podem ficar à espera enquanto seus males se agravam. Cabe recorrer ao mais elementar exercício da cidadania: exigir dos governantes, antes de eleitos, que se comprometam a resolver o problema ou, então, devolver o mandato. Uma regra que poderia constar, saudavelmente, na reforma política que está sendo apregoada há muito tempo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Fábrica de Sonhos




Recebi cópia de publicação destinada a médicos residentes, enviada por um amigo do Ministério Público da Bahia. Nele, as expressões "Viva um sonho", e a explícita negativa de qualquer possibilidade de fracasso. Para completar: "Não tema o fracasso. No seu caso, ele, por definição, não existe, você é médico!".

Nada contra essa valorização interna da profissão. Mas a contínua negativa em ver que a realidade é outra, e que uma preparação, inclusive para eventuais falhas, é necessária, abre caminho para o desastre. A responsabilidade civil médica hoje, é tema recorrente nos tribunais, e um mínimo de cuidados com o gerenciamento do risco jurídico na profissão se faz necessário a todos - todos - os profissionais. Recusar-se a enxergar isso, e continuar pregando - contra todas as evidências - a infalibilidade, é viver perigosamente.

Não seria melhor dizer, por exemplo: não tema o fracasso, mas acautele-se em relação às conseqüências que este pode trazer para o paciente?

Pena que algumas entidades pensem exatamente o contrário.

Enfim, é uma opinião. Posso estar enganado, mas prefiro a cautela.

Processos por erro médico no STJ aumentaram 155% em seis anos.

Nem todo mau resultado é sinônimo de erro, mas essa é uma dúvida que assombra médico e paciente quando algo não esperado acontece no tratamento ou em procedimentos cirúrgicos. O erro médico pode envolver o simples diagnóstico errôneo de uma doença, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos últimos seis anos, a quantidade de processos envolvendo erro médico que chegaram à Corte aumentou 155%. Em 2002, foram 120 processos. Neste ano, até o final do mês de outubro, já eram 360 novos processos autuados por esse motivo, a maioria recursos questionando a responsabilidade civil do profissional.
O STJ tem assegurado a pacientes lesados por erros médicos três tipos de indenizações. Os danos materiais referem-se ao que o paciente gastou no tratamento ineficiente e ao que eventualmente deixou de ganhar por conta do erro médico (dias de trabalho perdidos, por exemplo). Assegura-se, também, o direito de receber os danos morais, valor para compensar a dor moral a que foi submetido (como ocorre com a supressão indevida de um órgão). Por fim, o paciente pode receber por danos estéticos, isto é, o prejuízo causado à sua aparência, como nas hipóteses em que o erro causou cicatrizes e outras deformidades. As indenizações são cumuláveis.
Relação de consumo
Superar um tratamento médico mal-sucedido pode levar muito tempo. Não raro, as cicatrizes permanecem no corpo por toda a vida, insistindo numa lembrança indesejável. Mas, ainda que traumatizado pelo episódio, o paciente deve considerar que há prazos legais para se buscar a reparação na Justiça.
O STJ entende que deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos serviços prestados por profissionais liberais, inclusive médicos. Nestes casos, prescreve em cinco anos a pretensão à reparação, contados do conhecimento do dano ou de sua autoria. No entanto, a presidente da Segunda Seção, ministra Nancy Andrighi, ressalta que há uma peculiaridade. “A responsabilidade do médico, ao contrário do que ocorre no restante das leis consumeristas, continua sendo subjetiva, ou seja, depende da prova da culpa do médico”, explica a ministra.
Em um julgamento ocorrido em 2005 na Terceira Turma, os ministros aplicaram esse entendimento e não atenderam o pedido de um cirurgião plástico de São Paulo para que fosse considerado prescrito o direito de ação de uma paciente. Ele alegava que já teriam transcorrido os três anos estabelecidos pelo Código Civil para a reparação do dano. A paciente, que ficou com deformidades físicas após cirurgias plásticas, conseguiu que o médico custeasse todo o tratamento para restabelecimento do seu quadro clínico, além de reparação por dano moral e estético.
Ainda sob a ótica da lei de defesa do consumidor, naquelas hipóteses em que o Poder Judiciário identifica a hipossuficiência do paciente, isto é, a dependência econômica ou de informações, pode haver inversão do ônus da prova. Isto é, o juiz pode determinar que cabe ao médico fazer prova da regularidade de sua conduta. De acordo com a ministra Nancy Andrighi, a aplicação do CDC facilita muito a defesa dos direitos do consumidor. “Com ele, o juiz dispõe de meios mais eficazes para detectar práticas comerciais e cláusulas contratuais abusivas. Isso certamente é um avanço em relação à legislação comum”, analisa a ministra.
Revisão de valores
Atualmente, estão em análise no STJ 444 processos sobre essa matéria. Boa parte dos recursos que chega ao Tribunal contesta os valores das indenizações por erro médico arbitrados em instâncias ordinárias, ou seja, a Justiça estadual ou federal. Mas ser admitido para julgamento no STJ não é sinal de causa ganha: a orientação consolidada na Corte é de somente revisar o valor quando for exorbitante ou insignificante. A quantia deve ser razoável e proporcional ao dano.
Ao julgar cada caso, os ministros analisam o fato descrito nos autos, sem reexaminar provas. Com base nas circunstâncias concretas, nas condições econômicas das partes e na finalidade da reparação, decidem se o valor da indenização merece reparos. E, por vezes, uma indenização por dano moral devida por erro médico pode ser maior do que aquela obtida por parentes pela morte de um familiar. Foi o que ocorreu na análise de um recurso do Rio de Janeiro em que a União tentava a redução do valor de uma indenização de R$ 360 mil por danos morais. A vítima era uma paciente que ficou tetraplégica, em estado vegetativo, em decorrência do procedimento de anestesia para uma cirurgia a que seria submetida em 1998.
A relatora do recurso, ministra Denise Arruda, da Primeira Turma, afirmou que não se tratava de quantia exorbitante. Ela entende que não foi possível estabelecer, neste caso, um paralelo com qualquer indenização devida em caso de morte da vítima. “O sofrimento e a angústia vividos diariamente pela agravada [paciente] e a irreversibilidade das seqüelas sofridas potencializam, no tempo, o dano moral”, explicou a ministra.
Co-responsabilidade
Além do médico responsável pelo procedimento, a clínica ou hospital em que se deu o atendimento também estão sujeitos à responsabilização pelo erro médico. O STJ já decidiu, inclusive, que a operadora de plano de saúde pode responder, solidariamente, por eventual erro do médico que indicou ao segurado. Mas cada caso traz peculiaridades que podem levar a um desfecho judicial diferente.
Em setembro passado, a Segunda Seção concluiu o julgamento de um recurso em que um hospital de Santa Catarina contestava a condenação solidária por erro médico. A Justiça estadual havia condenado o hospital e o médico ao pagamento de danos morais, materiais e pensão vitalícia à vítima, paciente que se submeteu a uma cirurgia de varizes. Os ministros entenderam que a entidade não poderia ser responsabilizada solidariamente por erro médico, pois o cirurgião não prestou quaisquer serviços no interesse do hospital ou sob as suas ordens.
De acordo com o relator para o acórdão, ministro João Otávio de Noronha, o fato de receber remuneração pela locação de espaço físico não torna o hospital solidariamente responsável por danos causados por imperícia médica. Entretanto circunstâncias diferentes podem levar a uma conclusão oposta. Há casos em que o hospital responde como fornecedor do serviço médico-hospitalar prestado do qual decorreu o dano.
Em 2002, a Quarta Turma do STJ manteve decisão da Justiça do Rio de Janeiro que condenou uma instituição médica a responder solidariamente pela falta de informação por parte de seu médico sobre os riscos que envolviam uma cirurgia. A paciente acabou perdendo completamente a visão e ingressou com pedido de indenização por danos materiais, físicos e morais contra o hospital e o médico. Um ano antes, a mesma Quarta Turma já havia decidido que o médico-chefe pode vir a responder por fato danoso causado ao paciente pelo terceiro que esteja diretamente sob suas ordens.
Pós-operatório
A responsabilidade do médico pelo estado de saúde do paciente não se encerra no atendimento em si. Recentemente, a Quarta Turma confirmou o pagamento de indenização de R$ 300 mil a uma paciente que perdeu o útero, trompas e ovários devido a complicações ocorridas após uma tentativa de fertilização in vitro, realizada em 2001. Baseados na análise dos fatos feita pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), os ministros consideraram negligente o atendimento pós-operatório que acarretou dano à paciente, sendo, por isso, passível de responsabilização civil. O relator do recurso foi o ministro João Otávio de Noronha.
Em processo analisado pelo Conselho Regional de Medicina fluminense, o médico não foi responsabilizado pela ovário-histerectomia. A paciente ingressou na Justiça contra a clínica e o médico que realizou o procedimento. Disse que o procurou para atendimento com queixa de dor e febre, mas, após exame, foi encaminhada por ele a outros profissionais. Passado cerca de um mês, foi constatado por outro médico um abscesso no tubo ovariano, o que exigiu a intervenção radical. Condenados em primeira instância, médico e clínica apelaram, mas o TJRJ descartou a realização de uma nova perícia e manteve a condenação solidária.
No STJ, o julgamento definiu que o médico deveria responder pelo dano causado, porque não agiu com a cautela necessária. A negligência está na falta de assistência pós-cirúrgica à paciente, que teve o estado de saúde agravado, alegando que a piora não decorreu do ato cirúrgico que realizou, mas de outras causas, encaminhando-a a profissionais diversos. Ainda cabe recurso desta decisão.
(Coordenadoria de Editoria e Imprensa - STJ)

Médicos têm apenas 19% de condenação.


Por Felipe Lisboa Capella,advogado (OAB/SC nº 18.287) e professor.
O escritório em que atuo realizou pesquisa em noventa processos judiciais, julgados em São Paulo e Santa Catarina, de 2006 a 2008, no intuito de analisar a real condenação de médicos e estabelecimentos de saúde em processos de erro médico. Esclarece-se que o escritório não atuou em nenhum dos processos pesquisados. Verificou-se que a condenação do médico acontece em cerca de 34% dos casos, reduzindo-se para 19% após recurso ao Tribunal de Justiça do respectivo Estado.
Já a condenação de estabelecimentos médicos (clínicas e hospitais) chega a 35% em primeiro grau, reduzindo-se para 26% após recurso. Concluiu-se ainda que o médico é réu em 64% dos casos, enquanto os estabelecimentos figuram em 82% dos processos. A razão do relativo baixo número de condenações pode ser atribuída a uma gama de fatores. Entre eles incluem-se a justiça gratuita, o erro de avaliação de advogados (ambos permitindo demandas frágeis), e a dificuldade na prova do erro médico, agravada pela não realização de perícia antes ou durante o processo.
Porém o aspecto que mais chama a atenção são os problemas emocionais na relação médico-paciente. A falta de informação e impaciência do médico, conjugados com o desconhecimento técnico do paciente, geram a incerteza sobre o que realmente aconteceu de errado. Imagine-se um problema de diagnóstico ou cirurgia (que não necessariamente seja o médico causador; acrescente a relação desgastada entre médico e paciente; o resultado é uma mistura de potencial processo judicial. A avalanche de processos judiciais fez eco no Congresso, onde avançam projetos de lei que prevêem a instituição do Exame de Medicina, nos moldes do Exame da Ordem da OAB. O mais avançado é o Projeto de Lei 4.342/2004, que se encontra em fase de audiências públicas.
Tendo em vista a situação atual, cabe ao médico prevenir-se por meio de atenção ao preenchimento do prontuário, aviso de exposição de riscos ao paciente, contratação de advogado em processo administrativo (CRM) e busca sempre da boa relação com o seu cliente, mantendo-o permanentemente informado. Ao paciente sugere-se: a) procurar informações sobre o médico, preferencialmente de antigos clientes; b) verificar se a especialidade do profissional da Medicina confere com o tipo de procedimento necessário; c) desconfiar de preços muito abaixo dos praticados no mercado. (Fonte: Espaço Vital)

Erro médico amputa braço de bebê durante o parto


É possível a cumulação de indenização por danos estético e moral, ainda que derivados de um mesmo fato, desde que os danos possam ser reconhecidos automaticamente; ou seja, devem ser passíveis de identificação em separado. A conclusão é da 1ª Turma do STJ, que determinou que o Município do Rio de Janeiro pague cumulação dos danos moral e estético, no valor de R$ 300 mil, a um recém-nascido que teve o braço direito amputado em decorrência de erro médico.
Segundo dados do processo, o recém-nascido teve o braço amputado devido a uma punção axilar que resultou no rompimento de uma veia, criando um coágulo que bloqueou a passagem de sangue para o membro superior. A família recorreu ao STJ, por meio de recurso especial, após ter seu pedido de cumulação de indenização negado pelo TJ do Rio de Janeiro (TJRJ). No recurso, ela alegou que é possível a cumulação das verbas de dano estético e de dano moral em uma mesma condenação, ainda quando decorrentes de um único fato.
Argumentou, também, que não prospera a tese de que uma criança pequena não teria condições intelectivas para compreender a falta que um braço lhe faz e, que por isso, a verba relativa aos danos morais deveria englobar a de dano estético, sem qualquer prejuízo. A família sustentou, ainda, que houve indevida redução da quantia reparatória a título de danos morais deixando-se de levar em consideração a gravidade do dano, que resultou na amputação de um barco do recém-nascido. Por fim, pediu a inclusão na condenação de uma verba autônoma de dano estético, com aplicação do critério anunciado na peça vestibular, em valor nunca inferior a mil salários mínimos, com a majoração das verbas relativas ao dano moral sofrido por eles.
O Município do Rio de Janeiro apresentou recurso especial adesivo alegando que o valor da reparação por danos morais foi fixado de modo exorbitante, devendo, portanto, ser reduzido, sob pena de afronta ao artigo 159 do Código Civil. O recurso adesivo foi negado pela 1ª Turma do STJ. Ao analisar o caso, a relatora, ministra Denise Arruda, destacou que, ainda que derivada de um mesmo fato, a amputação do braço do recém-nascido ensejou duas formas diversas de dano – o moral e o estético. Segundo ela, o primeiro corresponde à violação do direito à dignidade e à imagem da vítima, assim como o sofrimento, à aflição e a angustia a que seus pais e irmão foram submetidos. O segundo decorre da modificação da estrutura corporal do lesado, enfim, da deformidade a ele causada. A ministra ressaltou que não merece prosperar o fundamento da decisão no sentido de que o recém-nascido não é apto a sofrer dano moral, já que não possui capacidade intelectiva para avaliá-lo e sofrer os prejuízos psíquicos dele decorrentes. Para a ela, o dano moral não pode ser visto somente como de ordem puramente psíquica (dependente das reações emocionais da vítima), pois, na atual ordem jurídico-constitucional, a dignidade é fundamento central dos direitos humanos, devendo ser protegida e, quando violada, sujeita à devida reparação.
De acordo com a relatora, é devida a cumulação do município à reparação dos danos moral e estético à vítima, na medida em que o recém-nascido obteve grave deformidade e teve seu direito a uma vida digna, seriamente atingido. Desse modo, é plenamente cabível a cumulação dos danos moral e estético nos termos fixados pela sentença, que foi de R$ 300 mil. Para ela, esse valor é razoável e proporcional ao grave dano causado ao recém-nascido e contempla, ainda, o caráter punitivo e pedagógico da condenação.
Quanto à quantia indenizatória dos danos morais fixados em favor dos pais e do irmão, a ministra Denise Arruda observou que ao contrário do alegado pelo município, o valor não é exorbitante (R$ 45 mil). Conforme anteriormente ressaltado, esses valores foram fixados em patamares razoáveis e dentro dos limites da proporcionalidade, de maneira que é indevida sua revisão em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7. (Com informações do STJ).

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Há quase um século, Aldous Huxley escreveu a obra que dá título a esta coluna, discutindo, dentre outros tópicos relevantes, se o cientificamente possível era eticamente viável. Huxley profetizou em Admirável Mundo Novo, uma civilização de excessiva ordem onde todos os homens eram controlados desde o nascimento por um sistema que aliava controle genético (predestinação) a condicionamento mental, o que os tornava dominados pelo sistema em prol de uma aparente harmonia na sociedade.

Não havia espaço para questionamentos ou dúvidas, nem para os conflitos, pois até os desejos e ansiedades eram controlados quimicamente pelo “Soma”, sempre no sentido de preservar a ordem dominante. A liberdade de escolha estava restrita a poucas matérias da vida. As castas superiores eram decantadas em betas, alfas e alfas + e se originavam de óvulos biologicamente superiores, fertilizados por esperma biologicamente superior, recebendo o melhor tratamento pré-natal possível. Já as castas inferiores, bem mais numerosas, recebiam um tratamento diferenciado: provinham de óvulos inferiores, fertilizados por esperma inferior, passavam por um processo denominado Bokanovsky (noventa e seis gêmeos idênticos retirados de um só ovo) e eram “tratados pré-natalmente, com álcool e outros venenos proteínicos”

Huxley certamente ficaria atônito com os avanços que não conseguiu prever, nem em seus devaneios mais mirabolantes: alimentos geneticamente modificados, a decodificação do genoma humano, a revolução cibernética, a internet. Embora Huxley pudesse ter previsto a reprodução humana em série através de eugenia e do seu contrário, produzindo um número considerável de gêmeos idênticos, ele não previu a clonagem. A reprodução de um ser vivo a partir de células aleatórias em outro ser vivo portador das mesmas cargas genéticas do primeiro. Isso já é possível devido às novas descobertas da reengenharia genética, que envolveram os estudos sobre o DNA.

Este assunto ganha relevância com a notícia recentemente divulgada sobre o nascimento de um embrião congelado há 13 anos, na Espanha.

Resumindo a situação, uma mulher de 40 anos, após ter recebido diversos diagnósticos de infertilidade, recorreu ao programa de adoção de embriões descartados do Centro de Reprodução do Instituto Marques, em Barcelona. Tendo recebido inseminação de três embriões congelados por mais de uma década em nitrogênio líquido, deu à luz um menino, fato que somente havia sido registrado antes em Jerusalém, no ano de 2003, quando gêmeos nasceram a partir de embriões congelados 12 anos antes.

Que espécie de direitos hereditários pode possuir uma criança gerada a partir de um embrião congelado, descartado e “adotado”? Seus pais biológicos continuam vivos? Poderiam dispor livremente deste embrião, não concordando com sua fertilização em uma outra pessoa? O que fazer com a herança já partilhada? Se trata de um ato jurídico perfeito?

Novos conceitos de paternidade começam a surgir, especialmente aqueles baseados no afeto, e não simplesmente em critérios genéticos, hereditários. Estes últimos deixaram de ser parâmetros jurídicos absolutos para o reconhecimento da paternidade. O Direito Médico, o Biodireito, deve ser visto, pois, como algo sistêmico, com inter-relações com outros ramos do conhecimento jurídico-médico-sociológico, como bem demonstram estas ramificações com o Direito de Família. E a mudança de tais conceitos pressupõe alterar modelos que definem nossa identidade, nossa noção de família, que por mais que seja a mais difundida, não é a única, ou quiçá, a mais perfeita e adequada aos novos tempos que se descortinam à nossa frente.

A ciência evolui a passos largos, de maneira mais célere do que pode ser incorporado pela sociedade aos seus costumes. E de maneira ainda mais desproporcional ao que pode ser inserido na ordem social através das modificações e adaptações legislativas. Esse o grande dilema da bioética atual. O desafio é encontrar, em ciências tão díspares quanto o direito e a medicina, uma linguagem comum que possa dar início à busca de respostas para questionamentos surgidos a partir da revolução científica. Respostas, para perguntas que ainda não conseguem nem mesmo ser corretamente formuladas.

MITOS E VERDADES SOBRE O DIREITO MÉDICO

De tempos em tempos, é possível ver na mídia notícias sobre condenações de profissionais da medicina por má-prática médica, ou, como é mais conhecido, por erro médico. Esse tipo de condenação, que envolve temas tão interessantes quanto a responsabilidade civil, a responsabilidade penal, o direito do consumidor, o dano moral e uma infinidade de outros assuntos, é parte do que iremos tratar neste espaço a partir de hoje, nesta coluna intitulada Defesa Médica.

Entretanto, a primeira coisa a ser esclarecida é o que realmente compõe o Direito Médico. O que é, e o que trata esta especialidade do direito?

O mais importante a se ter em mente é não confundir direito médico com direito dos médicos. São coisas distintas. O direito médico (ou direito da saúde, como preferem alguns) é o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações entre médicos e pacientes, planos de saúde, clínicas, hospitais, laboratórios, e políticas públicas de saúde. Nele estão contidos ainda os temas de bioética, ética profissional, biodireito, consentimento esclarecido, etc.

Como se percebe, o tema é muito rico. Nós vivemos em uma era em que houve um avanço vertiginoso no campo das ciências biológicas. Ao mesmo tempo, o profissional da medicina perdeu aquela aura de semi divindade que o envolvia em tempos anteriores. Justamente em virtude destes avanços, o médico é mais cobrado, é mais exigido, perdendo o “direito” de errar.

Da mesma forma, avançamos muito (pelo menos no campo teórico) nos conceitos de proteção à saúde e à vida. Desenvolvemos conceitos como o direito à integridade biológica, ao patrimônio genético. A existência humana, seja ela individual ou coletiva, será sempre o maior bem a ser juridicamente protegido. E esta proteção é regulada por normas, tutelada pelo Estado, em sua função de organizar a sociedade.

Resumindo, viver ficou mais complicado. Há regras impostas pela sociedade que precisam ser conhecidas e cumpridas. Não há como evitar problemas, mas é possível minimizar os riscos de sua ocorrência, através do conhecimento prévio destas regras.

E é justamente neste ponto que o Direito e a Medicina se encontram e se misturam. O Direito Médico busca, pois, oferecer respostas a velhos problemas, e apontar soluções para os novos questionamentos biomédicos do século XXI.

Ainda estamos longe do mundo ideal. Há falhas em nossa legislação, e os bons instrumentos jurídicos que possuímos carecem de força efetiva. Somado a isso, boa parte da população, e até mesmo dos profissionais de saúde, desconhecem seus direitos e obrigações.

Esta coluna terá o propósito de informar, com linguagem a menos técnica possível, discutir e interagir sobre assuntos polêmicos e atuais do direito médico e da saúde, tendo por propósito difundir conhecimentos e, principalmente, conscientizar. Postas estas palavras iniciais, nos encontraremos novamente , para trocar experiências e tornar as regras e a linguagem do Direito mais compreensível para os profissionais de saúde e para o leitor.